Em 2018, ouça mais – fale mais – converse mais

Cansei de tentar encontrar uma maneira “adorável” de dar minha opinião e ainda ser simpática! Que se foda isso. Acho que nunca trabalhei com um homem que gastasse tempo pensando na abordagem que deveria usar para poder ser ouvido“, disse Jennifer Lawrence num artigo para a Lenny, newsletter da Lena Dunham. J. Law me entende. Sei que muitas de vocês me entendem. Eu penso muito na maneira que vou falar as coisas. Pra ser mais fofa e menos revoltada.

Pra ser mais legal e “não tão chata“. Mas hoje eu decidi que vou falar o que eu penso, como eu penso 🙂

Em 2018, ouça mais – fale mais – converse mais

Andei lendo por aí que as pessoas estão cansadas de ouvir falar de feminismo. Cansadas das palavras “empoderamento”, “protagonismo da mulher”, “sororidade”, “igualdade de gêneros”, “girl power” e por aí vai. Também devem estar cansadas de expressões como “a vida da mulher negra importa”, “não vamos nos calar”,  “não passarão”, etc, não? Devem estar.

Isso sem falar das inúmeras palavras que dizem respeito às lutas dos gays, da comunidade trans, dos negros, dos pobres.

Como cansa ouvir, um dia após o outro, as mesmas palavras, repetidas à exaustão.

Deve mesmo ser cansativo, sentado no alto de uma escada de privilégios, ouvir o grito de quem está embaixo.

Deve provavelmente incomodar muito o sono da beleza, a novela, o jornalzinho que só serve aos interesses de outros como eles -ou elas, mas vou usar eles porque é universal-, ou acima deles (mas que óbvio, eles acham que fazem parte do seu time, sendo que na verdade, são meras peças no teatro de fantoches dos verdadeiros donos do mundo), em suas doces vidas de “pessoas de bem”, “que pagam seus impostos”, “que trabalham todos os dias”, “que não são vagabundos”, “que não fazem protesto na rua”, “que não atrapalham a vida dos outros”, “que não são perseguido pela polícia porque não têm nada a temer”, “que não precisam do feminismo”, “que não se fazem de vítima”, “que não fazem mimimi”, “que não precisam de privilégios”, “que têm mérito por tudo o que conquistaram”.

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Mas eles precisam sim dos seus privilégios. Eu, branca, que sempre namorei meninos, cisgênera (qualquer pessoa que se identifica com o sexo que nasceu biologicamente é cisgênero), usei de todos esses privilégios na minha vida. Nunca sofri racismo, nunca sofri preconceitos por amar ninguém, nunca ninguém me olhou torto por eu ser “uma aberração”, nunca passei fome, frio ou uma noite sem ter uma cama onde dormir.

Privilégios, esses, que a sociedade me forneceu. Não trabalhei mais ou menos pra polícia me tratar diferente do que trata um amigo negro. Não paguei mais ou menos impostos pra não ser incomodada quando ando de mãos dadas com um homem. Não estudei noites a fio pra que alguém não fique com medo de mim quando estou andando atrás dela numa rua. A sociedade me trata assim porque ela acha que é assim que deve ser. Porque ela me deu esse direito.

Mas a sociedade não acha que é meu direito andar tranquilamente pela minha cidade, pelo meu país, sem ter medo. Sem pensar na roupa que vou vestir. Sem pensar se vou conseguir andar as cinco quadras que separam o metrô da minha casa em segurança.

Sem pensar se aquele homem que mexeu comigo o fez só por ser babaca ou porque ele é perigoso. Sem pensar que pode ter alguém me seguindo. Sem pensar em não fazer sempre o mesmo caminho quando volto dos lugares, pra não criar um padrão. Sem pensar que se eu pegar um táxi na rua, eu posso não chegar na minha casa do mesmo jeito que saí. Sem pensar em todas as minhas amigas mulheres que passam por isso todos os dias e que eu não posso fazer nada pra deixá-las se sentindo melhor.

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Se sentindo seguras. Sem pensar que ter vivido 26 anos sem ter sido estuprada é uma sorte, e não como as coisas deveriam ser. Porque viver em um país que tem 1 caso de estupro (denunciados) a cada 11 minutos e não estar nessa estatística só pode ser chamado de sorte.

Engraçado como as pessoas se cansam de umas palavras, mas não se cansam de outras. Não se cansam de “estupro”, “violência doméstica”, “feminicídio”, “assédio sexual”, “abuso sexual”, “violência sexual”, “machismo”, “sexismo”. Por que, então, eles não se cansam dessas aqui, e mais um monte de outras, e aceitem que pra gente parar de falar, todo mundo tem que fazer alguma coisa?

Aceitar que tem sim, privilégio, e ouvir o que os outros gritam, e mais ainda, pensar sobre o que essas palavras todas querem dizer, é simplesmente ser mais humano. Ter mais empatia. Se enxergar no outro. Não é dar a mão pra ele subir ao seu lado e juntos continuarem sentados sobre todos os seus privilégios. É descer alguns degraus. E se tornar mais igual.

Mais próximo. Se juntar ao coro que só clama por mais respeito. Por menos desprezo, indiferença, passividade.

Não sou ingênua ao ponto de achar que “o amor resolve tudo”. Não resolve, sozinho. Mas aceitar, de verdade, que pra mudar alguma coisa no mundo é preciso primeiro mudar a si mesmo e enxergar em nós o egoísmo e a vontade de sermos bem sucedidos sozinhos, às custas dos outros.

Todos nós somos assim. Nós, mulheres. Eles, homens, trans, e qualquer outra identidade de gênero que você se encaixar. Não adianta ir na Igreja e pedir pra Deus “paz na Terra aos homens por ele amados” e ignorar essa paz só pode existir quando eles (e nós) abrirmos mão. E ouvir. E não se cansar de ouvir. Não se cansar de ouvir falar de feminismo. De racismo. De pobreza. De desigualdade. De preconceito.

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Eles podem achar que essa luta não tem nada a ver com nenhum deles.

É aí que eles estão enganados. Essa luta tem tudo a ver com eles. E comigo. E com você. Resta saber se a gente vai lutar juntos.

Podem até me perguntar: “o que você está fazendo pelas outras pessoas, por aquelas que não têm os mesmos privilégios que você?” e eu vou responder: “Eu ouço. E não me canso de ouvir”.

Em 2016, canse ainda mais. E ouça ainda mais. Fale, grite, questione, pergunte, pesquise, se aprofunde, não se intimide. Quanto mais eles se incomodarem, é porque mais perto estamos de chegar. Vamos juntos?

Beijinhos,